A igreja da Fazenda de Santa Gertrudes foi construída no ano de 1866 pelo então Barão de São João do Rio Claro, o Sr. Amador Rodrigues de Lacerda Jordão em homenagem à padroeira da fazenda que foi escolhida por ser esse o nome da mãe do Barão, Dona Gertrudes Galvão de Oliveira Lacerda. Essa primeira construção foi feita de pau a pique e nessa data foi instalada a Pedra D'ara no altar, consagrando-a como igreja segundo as leis do Vaticano.
No ano de 1897, quando a Fazenda já pertencia a Eduardo Prates, futuro Conde de Prates, ela foi reconstruída e suas paredes foram substituídas por alvenaria e sua área aumentada. Essa reforma, terminada em 1898, foi empreendida por um empreiteiro de origem italiana e sua equipe, talvez por isso ou por pedido de Eduardo Prates, a arquitetura sofreu influências européias marcadas com ritmo por pilastras; influências "goticisantes" nas arcadas das portas e janelas, e no altar mor.
A igreja, no final do séc. XIX e início do séc. XX, além de suprir as pessoas com amparo espiritual, era importante também na vida social dos trabalhadores da Fazenda. Aos Domingos, que era e continua sendo o principal dia de lazer, o dia se iniciava com a missa e depois de cumprida a obrigação religiosa é que os trabalhadores aproveitavam para se dedicar ao lazer, iam visitar amigos e parentes e fazer compras. Além disso, os dias santos, com missas, procissões e outras solenidades festivas, marcavam a vida social do trabalhador, uma vez que constituíam a um mesmo tempo forma de lazer, meio de inter-relação social e expressão religiosa, traço típico da sociedade rural, que encontra efetivamente nos quadros da religião uma expressão de autêntica diversão e lazer.
Assim, a vida religiosa ocupava parte substancial da vida social do trabalhador, sendo o padre, a figura central desse segmento.
Deve ser considerada, em princípio, uma diferença fundamental entre a posição do padre ou capelão, na vida rural do Nordeste e das regiões cafeicultoras, em especial a Fazenda de Santa Gertrudes. No Nordeste o capelão escapava ao domínio da Igreja para tornar-se como que uma espécie de criado do senhor de engenho, nessa medida sua presença era permanente no Engenho, sua atuação visava atender basicamente aos interesses do senhor, identificados que estavam em seu status de camada dominante. De certa forma o mesmo ocorreu no Vale do Paraíba, onde embora os padres não residissem na fazenda, todo seu trabalho era colaborar com a manutenção da ordem escravista.
Quanto à Fazenda Santa Gertrudes, desde o início os padres que a serviram, pertenciam às ordens religiosas italianas: Scalabrinos e posteriormente Stigmatinos. Como em toda a zona da cafeicultura, o sacerdote não residia na Fazenda, mas sua presença era constante. Ao contrário do que era comum, aqui suas funções eram ambivalentes, de um lado, cuidava de assegurar a assistência espiritual dos trabalhadores católicos, e em sua maioria imigrantes italianos, o que era totalmente exeqüível, em virtude da identidade de origem. Pode-se inferir como era importante para o imigrante italiano trabalhar numa Fazenda cuja Capela lhe dava as mesmas regalias das grandes Igrejas da terra natal e ainda ser atendido espiritualmente por padres de sua nacionalidade. De outra parte, o patrão, Conde Papal, na medida em que era atendido por padres vindos diretamente da Itália, estava sendo atendido à altura de seu status.
Porém, o mais importante era que ao cuidar do trabalhador, em especial italiano, o sacerdote servia como um elemento tendente a garantir a fixação desse trabalhador na fazenda.
A facilidade da fazenda de Santa Gertrudes em concentrar padres que permaneciam a Semana Santa toda na Fazenda (inclusive 2 ou 3, de Sexta a Domingo), deve-se ao fato da Semana Santa, na época, representar para os padres uma oportunidade de trabalho extra e Santa Gertrudes, além de excelente trato despendido aos sacerdotes, pagava bem os seus serviços. Em 1925 foi pago "pela celebração de missas e gratificações aos padres pelos serviços da Semana Santa - Rs 500$000 (Quinhentos mil réis)", quantia bem elevada se levarmos em conta que nessa mesma época a renda bruta anual dos empregados era aproximadamente o dobro disso Rs 1:000$000 (Um conto de réis = Mil mil réis).
Além disso, o zelo de um sacerdote na ocasião, media-se pelo número de confissões e comunhões, e certamente, na Fazenda de Santa Gertrudes, isto já estava garantido, pois as mesmas alcançavam freqüentemente a casa dos 500, nas grandes festividades.
Segundo Cândido Procópio F. de Camargo, o Catolicismo Tradicional Rural brasileiro, no qual deveria se enquadrar o catolicismo da Fazenda de Santa Gertrudes, comporta diversos elementos, cuja relação com os componentes da vida religiosa daquela propriedade, nem sempre coincidem.
Assim, no que tange aos valores religiosos e sua identificação com os da sociedade inclusiva, a Fazenda de Santa Gertrudes revela-se como expressão acabada desta relação, principalmente quando se tem em vista a origem católica da maioria dos trabalhadores, a tradição católica da própria fazenda, aliadas a uma situação de mudanças dos imigrantes que procuravam na religião uma orientação de vida, capaz de norteá-los nessa nova condição.
Quanto aos reflexos da estrutura social na coletividade religiosa, a Fazenda apresentava-se de forma incompleta uma vez que somente dois estratos eram distinguidos através da distribuição dos lugares ocupados durante as práticas religiosas: os proprietários, na lateral esquerda do altar-mor, em cadeiras austríacas, com genuflexórios individuais; empregados na nave em bancos coletivos de madeira. Há de se observar que não se verificou qualquer distinção entre os empregados.
No que se refere à vinculação dos valores religiosos à vida social especialmente nas atividades de lazer e diversão, constatou-se a estreita relação dos mesmos na Fazenda de Santa Gertrudes. Toda a vida do trabalhador e dos proprietários quando presentes, tinham a marcar seu ritmo o tempo sagrado, no caso o domingo e dias santificados, quando a missa é o evento mais importante, aproveitavam também para visitas, comércio, jogos, etc. As procissões, além do caráter religioso intrínseco, permitiam atividades de lazer paralelas, quando das reuniões para sua preparação, na própria procissão e nas conversas ao fim das mesmas.
Nos dias considerados santificados trabalhavam apenas os empregados cujos serviços não podiam deixar de ser realizados. Na véspera de Natal, Primeiro do ano, sábado de Aleluia e terça-feira de carnaval o trabalho encerrava-se ao meio-dia.
As festas de junho eram comemoradas com atividades religiosas e profanas. Pela manhã sempre missa cantada, e à tarde, procissão. Havia grande queima de fogos, churrasco e bebida distribuída aos trabalhadores por conta da fazenda.
No que diz respeito às rezas coletivas e festas dos santos, na Fazenda era observado o calendário regular, exceto as festas de Santa Cruz e de Santa Gertrudes cuja inclusão se deveu à presença dos padres Stigmatinos e à padroeira respectivamente.
Na Fazenda de Santa Gertrudes faziam-se rezas e procissões ligadas aos fenômenos da natureza. Realizavam-se na capela, preces, tríduos, missas e procissões por ocasião das grandes secas. Também, contrário do Nordeste, onde há o ciclo de rezas de Santa Luzia (13 de dezembro) a São José (19 de março), aqui elas ocorriam conforme a ocasião dos flagelos ao invés de serem dirigidas a um santo o eram diretamente à divindade.
Procissão passando pelo Terreiro, Igreja ao fundo - 1930.
Também, contrário do Nordeste, onde há o ciclo de rezas de Santa Luzia (13 de dezembro) a São José (19 de março), aqui elas ocorriam conforme a ocasião dos flagelos ao invés de serem dirigidas a um santo o eram diretamente à divindade.
Entretanto, vários elementos do catolicismo tradicional rural inexistiam na Fazenda de santa Gertrudes. Como já foi visto, o padre estava constantemente na Fazenda, além disso, havia o emprego do sacristão, que atendia aos serviços de manutenção da capela e acompanhava os ofícios religiosos. Assim não houve oportunidade para que "rezadores" ou "rezadoras" assumissem liderança religiosa marcante.
Quanto ao escasso conteúdo litúrgico e sacramental das práticas religiosas, na Fazenda de Santa Gertrudes, ocorria justamente o oposto, onde o cerimonial religioso correspondia ao de Igreja Matriz, e em relação a outras, era mais requintado, assim a capela da Fazenda superava o padrão ideal.
Missas eram celebradas todos os domingos, salvo em alguns períodos cuja celebração era no 1º e 3º domingos do mês. Nos dias considerados santificados era geralmente celebrada missa cantada pela manhã e a tarde havia procissão em louvor ao santo ou à Nossa Senhora, cujo dia se comemorava a festa.
O Natal era precedido pelo tríduo de Natal, e no dia à meia-noite celebrava-se a missa do galo e pela manhã nova missa, sendo algumas vezes realizada a Primeira Comunhão das crianças. No último dia do ano, havia o Te Deum Laudamus e missa solene cantada na manhã seguinte.
A observância do culto às almas ocorria na Fazenda apenas em parte. Eram realizadas missas de sétimo e trigésimo dias para os membros da família proprietária falecidos, com a presença compulsória, de todos os empregados. Todavia não há nenhuma referencia à missas fúnebres para empregados, o que se deve, possivelmente, ao fato de não se realizar este tipo de missa em domingos e dias santos, impedindo assim, essa prática religiosa pelos trabalhadores. Quanto aos cultos domésticos às almas, nada foi observado na documentação.